“Pensamos que a África é um continente de fome e miséria, e que há leões andando soltos pelas ruas...”



Após uma estadia de três meses em Petrória, África do Sul, Carla Caroline da Silva, estudante de Direito na UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), na cidade de Três Lagoas, conta quais foram as dificuldades enfrentadas no exterior, quais seus objetivos durante a viagem, o modo como o Brasil ainda é visto lá fora e o que os conhecimentos recentemente adquiridos vão acrescentar ao seu trabalho voluntário no encaminhamento religioso de crianças e jovens e à sua carreira profissional na área de Direito.


Andreza Galiego - Como você vê a burocracia brasileira a respeito de viagens internacionais? E a africana?

Carla da Silva - Eu não enfrentei muita burocracia para obter a documentação necessária da viagem, mesmo porque o Brasil e a Àfrica do Sul têm um acordo diplomático na concessão de vistos para visitantes durante o período de três meses. No entanto, por causa de um erro da contagem de dias do meu visto, saí da África do Sul com uma multa a ser paga na embaixada Sul Africana aqui no Brasil, além de uma bronca da controladora de imigração do aeroporto de Johanesburgo.

AG - Como foi sua recepção em Pretória?

CS - Para aumentar a adrenalina de estar em um país desconhecido (risos), o mentor do programa e organizador da viagem, optou por não me dar detalhes sobre minha recepção no aeroporto. Ele apenas me disse: “Segue o fluxo!”. Foi o que fiz. Acompanhei as pessoas que saíram do avião, passei pela imigração, peguei minhas malas e segui a palavra “EXIT” (risos).
Mas chegou um ponto em que todos encontraram quem procuravam, menos eu. Assustada, dei aquela olhada ao redor e vi um casal segurando uma placa com meu nome, sem muitas alternativas cheguei ao casal e disse: “I’m Carol”.
Eles me perguntaram se eu era do Brasil e pediram que os acompanhasse. Assim eu fui. Não tinha a menor ideia de quem eram aquelas pessoas, para onde estávamos indo e, em alguns momentos, nem o que estavam falando.
Durante todo o caminho conversaram e tentaram ser amigáveis me pagando até um sorvete do Mc Donald’s (Viva a globalização!).
Chegamos ao apartamento, onde eu passaria minha estadia, e então encontrei a única pessoa que conhecia naquelas terras: o mentor do programa. Foi um alívio! Alívio que logo foi substituído por uma indignação: Eles começaram a conversar em português! Fiquei realmente brava, embora rindo bastante. Mas essa eu nunca mais esqueço! (risos).

AG - O fato de você, até então, não ser fluente no inglês, provocou alguma situação embaraçosa ou engraçada?

CS - Algumas. Por exemplo, no dia em que pedi um frango em um estabelecimento de fast food e o atendente me deu um bem apimentado, pois eu cheguei e só apontei que queria aquele. Claro que não consegui comer (risos).

AG - Qual a imagem que os africanos têm do Brasil?

CS - Eles assistem muita novela da TV Globo, por isso enxergam o carnaval como o acontecimento mais importante do Brasil, e me pediam para sambar e ensiná-los a sambar também. Cantaram até a música do Michel Telo [“Ai se eu te pego”]. De fato, fiquei bem triste por ainda termos essa imagem, mas a recíproca é verdadeira, pois pensamos que a África é um continente de fome e miséria, que têm leões andando soltos pelas ruas. Sinal de que precisamos nos conhecer melhor e não somente através da TV.

AG - Você acredita que essa visão se dá pelo fato de a África do Sul ser bastante influenciada pela cultura norte-americana ou por simples desconhecimento?

CS - A África do Sul não é influenciada pela cultura norte-americana apenas. Na verdade somos muito mais do que eles. O problema é a tal da mídia, que mostra o que dá audiência como a fome e o Michel Teló.

AG - Como funciona o sistema estudantil da escola em que estudou lá?

CS - Os sul-africanos têm quatro férias anuais de 15 dias, e não gostaram muito do sistema brasileiro por ser muito tempo estudando sem pausa. Mas fiquei admirada com a estrutura de muitas escolas da Africa do Sul, principalmente os colegiais. São sistemas de período integral e com o desenvolvimento de áreas culturais e esportivas em conjunto com as matérias convencionais. Além do que, já no colegial é disponibilizado um curso técnico na área profissional que o estudante pretende atuar. Mas eu não participei deste sistema porque estudei em uma escola particular de inglês apenas.

AG - Você acredita que a UFMS, universidade em que estuda, deveria ter um sistema de apoio aos alunos que fazem intercâmbio, como a possibilidade de realizar provas online?

CS - Realmente seria interessante, mas alguns cursos, como o meu, não têm autorização do MEC para ser ministrado à distância.

AG - O principal motivo para sua estadia em Pretória foi seu trabalho voluntário na orientação religiosa de crianças e jovens. De fato, o que é o Ministério JUAD (Juniores e Adolescentes)?

CS - O JUAD é um ministério internacional, interdenominacional e voluntário, que desde 1994 ensina princípios cristãos a juniores e adolescentes na faixa etária de 07 a 17 anos, independentemente de classe econômica, raça ou credo, por acreditar que investir nas crianças é investir no futuro. Este ensino se dá através de atividades criativas como música, teatro, dança, acampamentos e programas de desenvolvimento social nas mais diversas áreas. O objetivo do JUAD é formar bons cidadãos para nossa sociedade, pessoas pautadas por valores bíblicos, legais e morais que implicam em um caráter saudável.

AG - Você é freqüentadora da igreja Monte Sião. Qual a relação dela com o JUAD?

CS - Por ser um programa interdenominacional, atuante em quatro países com 22 bases ao todo, o JUAD necessita que, em cada cidade onde é implantado, haja uma estrutura que receba o programa e se comprometa em desenvolvê-lo com seriedade.
Em Andradina [interior de São Paulo], atualmente, mais de 75% dos integrantes do Ministério JUAD não são da igreja sede, mostrando que mesmo as pessoas não frequentadoras desta denominação podem participar ou trabalhar voluntariamente.

AG - Já existe uma base do JUAD em Pretória. Quais foram os resultados de seu trabalho, desenvolvido durante os três meses na cidade?

CS - O meu trabalho foi de reestruturação da base de Pretória. O JUAD trabalha com técnicas de ensino organizadas em cartilhas e guias a serem seguidas. Sempre são necessários ajustes para o bom desenvolvimento do trabalho, e este foi meu papel por lá durante esses meses. Foi uma troca de experiências, o que aumentou ainda mais no meu coração a paixão por este projeto e tenho certeza de que também foi um incentivo para os lideres voluntários de Pretória.

AG - Você pretende ser juíza. No que todo esse conhecimento adquirido vai influenciar na hora de julgar processos?

CS - Toda experiência influencia em qualquer decisão que tomamos. Com certeza essa experiência ampliou a minha visão sobre muitas coisas e me trouxe valores que vou carregar comigo em tudo, inclusive em minha profissão.

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