Um repórter da África


Gilungua Miguel João tem 29 anos e, apesar do nome complicado, é gente boa. Mora em Lubango, capital da província da Huíla, em Angola, na África.  É recém-formado em Comunicação Social no Instituto Politécnica Tundavala (ISPT), na província de Huíla. Já teve experiências profissionais em Portugal, mas há dois anos exerce a função de repórter na TV Zimbo e na Rádio Comercial do Lubango (Rádio 2000) há nove anos. Miguel já já conheceu os países Gabão, Cabo-verde, Namíbia, Portugal e Espanha.

AG - Como é o estilo de vida em Luanda?

Gilungua Miguel - A vida em Luanda é difícil.  Não poderia ser diferente, pois se trata da capital do país e, portanto, o centro das atenções.  É uma cidade pequena, embora seja considerada o centro de negócios da África. Abriga muitos povos, tanto nacionais quanto estrangeiros. É o ponto do país em que mais se registram atos de delinquência, insegurança.
Obviamente ainda há algumas zonas da cidade que apresentam tranquilidade, como Cidade Alta, Praia do Bispo, nos condomínios e nas centralidades erguidas recentemente.

Quantos habitantes há aí? E no país inteiro?

Gilungua Miguel - Infelizmente, os dados não são confiáveis, pois o primeiro processo censitário realizado em Angola, desde que alcançou a independência em 1975, foi realizado entre 16 e 31 de maio desse ano. Os dados estatísticos serão divulgados daqui a três meses (agosto).

Como funciona a democracia de vocês? As eleições são periódicas?

Gilungua Miguel - Hoje, Angola é um dos países africanos em que há democracia aberta, participativa. No passado,  após a independência, o sistema político implantado era o comunista. Tempos difíceis. Todavia em 1992, houve uma paralisação devido à guerra fria e, em 2002, foi realizada a primeira eleição democrática, vencida pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que governa o país. As eleições ocorrem de 4 em 4 anos.

Como é o sistema público de segurança na Angola e em Luanda?

Gilungua Miguel - O sistema público de segurança em Angola é garantido pelos tribunais. A Polícia Nacional possui vários ramos e corporações, responsáveis por assegurar instituições, pessoas e bens. Hoje afirmo, sem medo de errar, que é a policia mais eficaz da África Austral (do sul). Enquanto Luanda detém o maior índice de criminalidade de todo o país.

A saúde pública do país e da sua cidade são satisfatórias?

Gilungua Miguel - A saúde ainda não é satisfatória em dois fatores: falta de funcionários e infraestruturas sanitárias em todo o país. Na Huíla, sul da Angola, a realidade não é muito diferente, contudo, nota-se esforços do Governo do MPLA na construção de centros e postos de saúdes nas comunidades.  Além da recente iniciativa de formação de funcionários da saúde, até então inexistente. Muitos dos médicos e técnicos atuando por aqui são repatriados: cubanos, russos, brasileiros, espanhóis e portugueses.

Dizem por aqui que há uma grande desproporção no que diz respeito a qualidade de vida entre a África do Sul e as demais nações do continente, isso é verdade?

Gilungua Miguel - É verdade. Aliás, em países africanos não existe um país com uma qualidade de vida elevada, ainda há uma proporção muito acentuada entre ricos e pobres, em todas as vertentes. Infelizmente a Líbia, no passado, foi o exemplo que muitos estados africanos decidiram seguir como sistema econômico e social, embora hoje conheçamos a realidade desse país.

Realmente há muitas pessoas em estado de miséria na Angola?

Gilungua Miguel - Muita e muita mesmo. Tudo por culpa da Guerra Fria que durou uma década. Contudo, há muitos projetos de combate à fome e à pobreza no país, embora insuficientes para mudar o quadro. Por isso, o Estado tem apostado em formação profissional e no empreendedorismo. Iniciativa, inclusive, inspirada no Brasil, cópia dos projetos implantados no governo de Lula da Silva.

Qual o tempo médio de estudo no sistema educacional da Angola?

Gilungua Miguel - Existem cinco escalas no sistema educacional: ensino primário; ensino secundário; ensino medio; técnico profissional e ensino Superior. Tudo subsidiado pelo governo.

Há conflitos religiosos e xenofóbicos entre seu país e outros do continente?

Gilungua Miguel - Em Angola não existem conflitos religiosos, mas no continente sim. Houve indícios de casos em República Democrática do Congo, Nigéria, Uganda, Zimbabue, República Cetro Africana e em países da África Branca (Norte do continente).

Há preconceito racial em seu país?

Gilungua Miguel - Em Angola não existe preconceito racial, há um povo acolhedor, que convive com todos os povos e raças.

Você já esteve em outros países?

Gilungua Miguel - Já estive no Gabão, Cabo-verde, Namíbia, Portugal e Espanha. Cabo verde e Namíbia são países que apostam no turismo e têm uma realidade econômica parecida com o ocidente ou Europa.
As ilhas de Cabo Verde são lindas e o povo é alegre e acolhedor, apesar de apresentar elevado índice de prostituição. Já o povo Namibiano é um pouco tímido, mas é o país africano considerado mais organizado e limpo. E com uma aposta forte na educação e saúde.
Portugal e Espanha são países com uma longa história, conservadora em alguns pontos. O importante nestes países é estar legalmente e com dinheiro no bolso para suportar as despesas.

Você cobriu a notícia sobre a facção que sequestrou mais de 200 jovens na Nigéria para se casarem com homens de outros países? Isso é comum nessa região?

Gilungua Miguel - Não,  porque na TV onde eu trabalho existe um setor responsável pelas notícias internacionais. Em algumas tribos africanas esses atos são comuns. Crianças são vendidas por causa do elevado índice de pobreza no continente, ou seja, tráfico de seres humanos.

O que o levou a querer ser jornalista?

Gilungua Miguel - A princípio porque gosto de ler e escrever (exercício mental), e também por ser uma profissão que permite ajudar o próximo, buscando a verdade para despertar a sociedade e o governo.

Quais as principais dificuldades em ser jornalista na Angola?

Gilungua Miguel - O acesso às fontes é difícil. Fazer uma notícia com todos os lados dos fatos é complicado, pois as pessoas ainda possuem medo de falar abertamente, seja nas empresas, seja nas ruas.

Qual a duração do curso de jornalismo aí?

Gilungua Miguel - Cinco anos: quatro de formação e um de estágio e defesa da monografia.


Artigo de Gilunga sobre exercer jornalismo, no Casa dos Focas: http://bit.ly/1lbTMuP



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