Que tal: bonita por natureza?





     As mulheres sempre foram vítimas de modismos. E, durante muito tempo, a aceitação dos padrões nos forçou à adaptações. Não há melhor exemplo para citar do que os espartilhos. Lá por volta do século XVI a peça foi inventada, inicialmente para dar sustento aos seios e proporcionar uma postura ereta. Depois, já no século XIX, as mulheres notaram o efeito do espartilho na cintura e, então a moda era afinar a circunferência para parecer mais feminina. Dá para imaginar o mal que isso causava especialmente às mulheres com formas avantajadas? O efeito psicológico devia ser devastador. Talvez a mesma sequela que as mulheres de estrutura fina carregavam quando o padrão era ser avolumada.

A verdade é que os padrões sempre existiram para todos nós, mulheres e homens, mas talvez pela nossa essência em querer agradar, sejamos mais suscetíveis às imposições. Há poucos dias, noticiaram uma cirurgia capaz de proporcionar uma beleza mais próxima do considerado ideal. A bichectomia. Trata-se de uma intervenção cirúrgica para a retirada de um acúmulo de gordura da bochecha, a bola de bichat. Sem ela, o rosto fica com a aparência mais fina. A moda tem atingido especialmente mulheres entre 20 e 30 anos. A razão? As selfies de bochechas arredondadas não ficam tão boas. Um detalhe importante: a cirurgia pode afetar os nervos e causar paralisia facial.

Da mesma forma, a pressão excessiva feita pelo espartilho no abdômen, refletia nos órgãos internos e, consequentemente, no aumento da pressão venosa, incentivando o aparecimento de varizes e, em casos extremos, trombose. Além de possíveis efeitos negativos no diafragma e na respiração. A obviedade das duas adaptações aos padrões é que os riscos são maiores que os benefícios. Nesses casos, o normal seria questionar-se: prefiro ter uma bochecha redonda ou uma paralisia facial? A resposta deveria ser evidente. Mas não é. E aí está a prova da deformação das prioridades.

Parecer bonita é terminantemente mais importante do que ser saudável, Andressa Urach e tantas outras famosas que o digam. A complexidade é a percepção de uma beleza tão inatingível. Afinal, gastamos e sofremos para ter a pele perfeita, mesmo assim, ainda aplicamos a maquiagem por cima para “ressaltar os pontos fortes”. Um sinal da constante insatisfação. Uns praticam exercício exageradamente, outros preferem a facilidade das cirurgias, outrem unem ambas as possibilidades. Embora a saúde esteja sempre em segundo plano. E o que há de errado na beleza natural? A simplicidade. Em tempos em que a ostentação do luxo é supervalorizada, a singeleza é ignorada.

Tanto esforço em vão. Frente a tanta perfeição, é justamente a diferença e a simplicidade que provocam felizes sensações. Ao manter o cabelo natural, ao respeitar as medidas do corpo, adquirindo roupas que se adéquam ao invés de transformar o corpo para atender ao arquétipo, a mulher está se conscientizando de seus defeitos. E por que isso não seria bonito? O processo de autoaceitação não é fácil, depende de fatores psicológicos, experiência de vida, influências saudáveis. Mas certamente o distanciamento dos padrões midiáticos, do apego à própria imagem e o interesse por causas mais nobres podem facilitar essa mudança de pensamento.

Ser belo por fora depende automaticamente do interior. É mais fácil enxergar a aparência bonita quando a essência também é agradável. Estar bem resolvido, é ser ciente dos defeitos que poderiam ser melhorados com cirurgias, mas, por que? Para quem eu devo ser perfeito? Afinal, aqueles que me amam, amam pelas minhas imperfeições também. E os outros? Bom, os outros que tenham o trabalho de me conhecer, caso contrário, de que me valerão suas opiniões? Prefiro a verdade de ser considerada feia naturalmente à superficialidade do elogio baseado numa aparência fabricada.

A liberdade de mudar um traço que incomoda é importante. Principalmente se a saúde for levada em conta e se a real necessidade dessa alteração for profunda e internamente discutida. A beleza externa é admirável, mas é com a interna que se convive. Que tal trocarmos a imposição do cabelo liso, do corpo magro, da pele perfeita pelo padrão do diferente? Aceitarmos a sarda, os pneuzinhos, os cachos, o nariz e a bochecha grandes e nos incomodarmos mais com a ausência de conteúdo, de objetivos, de preocupação com outras vidas? Sejamos lindamente naturais.

Sim, os homens admiram a beleza, mas os de verdade, nunca nos impuseram ser bonecas de porcelana: lindas e ocas. As imposições são nossas mesmo. Olhamos o cabelo lindo de uma, a pele perfeita de outra, a magreza invejável daquela ali e, sem analisarmos os nossos próprios pontos fortes, exigimos ter todas essas características, ao mesmo tempo. E dá-se adeus ao corpo real, “bonito por natureza”. Quantas já perderam a vida por extravagâncias em mesas de cirurgia? E o parceiro foi consultado? Se esteve a favor, certamente convive com o remorso.

Crie um padrão próprio. É simples: considere-se linda. Se concordarem bem, se não, amém. Uma foto pode deixar qualquer um mais feio ou mais bonito, depende muito mais de técnicas de fotografia, do que da aparência real. Portanto aprenda essas técnicas ao invés de correr riscos desnecessários. Quando se olhar no espelho, repare apenas nos pontos fortes. O resto está aí por alguma razão. Aposto que já admiraram algo em você que você mesma julgava desagradável. Pois é, o bonito depende de quem vê. Então opte por enxergar o naturalmente belo!



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