Quem cresce é que quer casa




Você começa a se perceber adulto quando, aos vinte e poucos anos, morar com seus pais passa a te incomodar indefinidamente. Se você é mulher, até mesmo o jeito como sua mãe faz comida é capaz de mudar seu humor pelo resto do dia. Sem falar em ter de adoçar o café, feito sem açúcar para evitar danos à saúde.

Se for homem, a insistência de seu pai em pôr o lixo na rua diariamente, como se o mundo fosse acabar se não fizesse isso, te irrita mais do que o trânsito. “Afinal, qual o problema de o lixo se acumular por algumas semanas?”. Ou ter de ensiná-lo infinitamente como escanear e anexar um documento.

Nessa fase, contrariar os pais já não tem mais tanta graça. Não se trata de falta de amor. É, na verdade, excesso. Aos vinte e poucos você já conhece bem os defeitos deles e, para preservar a boa convivência, entende que é melhor ter seu próprio canto.

Aquele espaço conquistado que te fará parecer adulto, embora vá mesmo é fazê-lo ter a conduta de um vagabundo. Tipo acordar tarde sem ter de encarar os olhares de reprovação. Onde o lixo só será realmente eliminado quando descartá-lo no quintal não for mais suficiente para isolar o aroma peculiar.

As roupas sujas acumuladas, a ausência de calcinhas limpas, o abuso de comida congelada ou a competição de imãs de restaurantes na porta da geladeira são outras situações que lhe farão compreender o porquê morar com os pais, apesar de mais fácil, incomodava tanto.

É na quitinete solitária ou no apê compartilhado que, estando você, empregado ou não, assistirá às contas chegando sem recado de “já paguei”. É lá que você terá mais a companhia dos amigos e até de desconhecidos do que de “seus responsáveis”.

Mas é lá também, onde as coisas são como você pensa ser o certo, que você poderá preparar um jantar irado para receber, esporadicamente, seus velhos. Nessas ocasiões, irá olhá-los com imensa admiração por serem tão incríveis e capazes de compreender amorosamente, por trás da aparente ingratidão, a decisão até altruísta, dessa criança grande que se é aos vinte e poucos.


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