Linchamento por "pessoas de bem"?

 Diva Suterio Ferreira, 46, mãe de Alailton
O caso do jovem Alailton Ferreira, de 17 anos, morto, no domingo (6), após ser linchado por moradores do bairro Vista da Serra II, cidade de Serra, no Espírito Santo, assusta ainda mais por ter sido praticado por moradores que, outrora, seriam honestos, trabalhadores, pessoas “de bem”, mas aqui foram capazes de trazer à tona a crueldade comum aos psicopatas. Lembrando que a família de Alailton afirma que ele possuía distúrbios mentais.

É inevitável encher os olhos de lágrima ao ver a imagem divulgada do jovem com o olhar assustado, sentado em meio aos moradores e, depois já com a cabeça ensanguentada. Então, quão deve ser o grau de frieza do indivíduo para machucar dessa forma? Não há como saber quantos agrediram o garoto, acusado – sem confirmações – de ter estuprado uma menina de 10 anos e roubado uma moto. Porém, só de não ter sido apenas um morador, a história já se mostra mais perturbadora.

Porquanto, evidentemente, se um único indivíduo resolve agredir um menino é possível que tenha sofrido um surto de raiva, que não esteja plenamente consciente de sua atitude, que esteja sobre efeito de alguma substância psicoativa, que se trate de um matador sanguinário ou de um psicopata. Porém quando, na realidade, houve um linchamento (pressupondo a participação de um grupo de pessoas) é muito mais difícil apontar uma justificativa humana para tanta brutalidade.

Obviamente não há desculpas que minimize o fato de um ser humano surrar outro, por isso mesmo esse acontecimento é tão monstruoso, afinal são vários indivíduos envoltos na mesma certeza de que o linchamento será a melhor punição para um crime - que muito provavelmente nem ocorreu. Percebe a insanidade coletiva? Ou seja, regredimos aos tempos do “olho por olho, dente por dente”.

De certo esses moradores assassinos se sentem agora como juízes do mal, são eles ao mesmo tempo a lei e a pena. Tendo em vista a existência de leis que exigem provas para acusar alguém de alguma coisa e, ainda assim, permite que o acusado se defenda, e haja todo um procedimento minucioso para condenar um indivíduo à determinada penalidade, e ainda assim ocorrem injustiças, como garantir que num processo movido a emoções contraditórias seja feita justiça?

E qual será a pena daqueles que assassinaram um garoto a sangue frio? É devido justamente à volatilidade das emoções que se divergem a justiça e a vingança. E foi para manter a sanidade e a própria sobrevivência das sociedades que, ao longo da nossa evolução, escolhemos a justiça. Falha sim, mas mais próxima de uma ação capaz de punir realmente sem incentivar sucessivas retaliações.

Cientes disso será que temos uma sociedade doente? Se sim, o que provocou isso? Será que as décadas de uma justiça lenta e muitas vezes ineficaz – especialmente para a parcela financeiramente desfavorecida do sistema – foram capazes de transformar os cidadãos “comuns” em seres tão descrentes a ponto de tornarem-se justiceiros? Considerando os outros casos recentes de punição feita com as próprias mãos é urgente avaliar essa nova realidade.

Muitos acusaram os moradores de racismo, afinal no caso do menino ser branco a reação seria a mesma? Não sei. Talvez não haja como saber. Mas um crime desses cometido “apenas” por racismo tem proporções ainda mais reveladoras sobre nossa população. Especialmente porque deveria haver entre os próprios linchadores outros negros (a julgar pela miscigenação brasileira). O preconceito racial está tão intrínseco e é tão irracional assim?

Ou simplesmente a mídia noticiou o caso dando ênfase desnecessária à cor do jovem? Se a vítima fosse branca e mesmo assim linchada deixaria de ser racismo? Esses são questionamentos aos quais não posso responder, mas acredito ser importante que os façamos para nós mesmos enquanto indivíduos participantes de uma sociedade. É necessário debatermos sobre racismo, sobre estupro, sobre linchamento, todavia, é imprescindível também discutirmos sobre como manter a sanidade de um povo frente à tanta violência, preconceito, desigualdade e corrupção.

Alailton, 17 anos

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