Aquela coisa de racismo



Não existe racismo no Brasil. Ou talvez haja hipocrisia suficiente para mascarar a discriminação racial. O nosso modelo de racismo é típico de um país democrático pós-escravidão, em que os negros foram tratados como inferiores por séculos até que foram libertos e entregues à própria sorte. Da noite para o dia o escravo passou a ser gente e aqueles que não acreditassem nisso podiam ser legalmente punidos. Sendo assim, para autopreservação, muitos “brancos” foram obrigados a fingir o respeito e a consideração pelo negro. Diferindo, portanto, do racismo praticado nos Estados Unidos, em que brancos e negros impõem a si mesmos e as suas culturas em pé de igualdade.

Dos brasileiros, 50,7% são negros, de acordo com o Censo do IBGE de 2010, ou seja, mais da metade da população se autoconsidera parda ou negra (ops, preta). Mais exatamente: dessa metade, apenas 15 milhões se declaram pretos, enquanto 82 milhões se classificam como pardos. Será que esses dados não encobrem certa dificuldade do brasileiro em se enxergar como negro, preferindo o termo pardo? Aliás, pardo é mais próximo de branco ou de preto? Que cor é essa, afinal? Esse receio em afirmar a negritude parece se originar do conceito de que o preto será visto negativamente, seja por razão de sua cultura, de sua classe social ou de sua aparência.

E é nessas pequenas situações que o racismo do brasileiro se apresenta; sutilmente. Ou não. O jornalista Caco Barcellos provou, em seu livro Rota 66, que a maioria dos supostos bandidos assassinados por policiais militares entre 1970 e 1992 era negra e pobre. O dado é antigo, mas a realidade atual ainda corrobora essa informação. Outro possível motivo para o racismo no Brasil ser tão velado é por sempre ser vinculado à pobreza. Nesse caso, a discriminação destinada a um negro pode ser camuflada com a justificativa de que é pela pobreza e não pela cor. Como se com isso não houvesse problema. Embora a consequência seja menor, afinal, ninguém é preso por discriminar um pobre, mas por racismo sim. 
Outro incômodo da questão racial no país, além do preconceito externo, é o preconceito de nós mesmos, os negros. Ou pardos. Pequenos receios carregados como herança da escravidão. Uns se sentem menosprezados, inferiores, vítimas dos "brancos". Outros precisam mostrar a todo o momento a superioridade. Dois extremos que servem apenas para comprovar o quanto ainda precisamos evoluir como humanos; iguais. Até mesmo os mais equilibrados trazem consigo a busca pelo padrão da branquitude. Padrão muito aparente nos cabelos de homens e mulheres, por exemplo. Alisados, relaxados, cortados, presos, queimados, loiros, vermelhos. (Faço parte dessa estatística).

Há ainda a prática comum de cirurgias plásticas para amenizar o nariz “de batata” ou o “beição”. Nós negros, às vezes nem nos damos conta desses receios da negritude. Desagrados firmados assim como o conceito de sensualidade aplicado a mulher negra, que teria nas curvas do corpo ou no jeito de se expressar uma vulgaridade sexual que não acomete as brancas. Mas e aí, existe veracidade nisso ou é só preconceito? Talvez um pouco dos dois. Afinal, nos tempos de escravidão eram às negras que os patrões recorriam para satisfação sexual. E, de fato, a exposição midiática excessiva de mulheres seminuas – especialmente no Carnaval – não contribui para mudar esse conceito.

As cotas para negros é uma política também questionável, pois ao invés de aumentar a autoestima dos candidatos, inferioriza a capacidade. Se é fato que a maioria negra é pobre, parece óbvio que as cotas deveriam ser destinadas a estudantes com baixa renda. Assim automaticamente a medida amenizaria o problema da ausência de negros no âmbito acadêmico e de profissionais qualificados sem a necessidade de comparar a competência de brancos e pretos. Como medida urgente e provisória, a cota para determinadas raças até foi aceitável, porém não é com que tenha se transformando em método definitivo.

Portanto, existe racismo no Brasil. E hipocrisia. Mas também há muita desinformação e conceitos culturais impregnados na nossa sociedade, justamente por termos tido orgulho de acreditar (ou fingir), durante séculos, que somos uma população livre da discriminação racial. Omitir a existência de um fato torna-o mais complexo e distancia debates construtivos. Hoje há muitos grupos na defesa dos direitos iguais para os negros (da dignidade, do respeito e da identificação) conseguindo transformar esse cenário de preconceitos enraizados. Construindo uma identidade que ainda não vemos nas campanhas publicitárias ou nos programas de TV.

É nesse âmbito midiático, inclusive, que notamos a diferenciação por cor (embora haja outros tipos também), onde nos são apresentados comerciais com um grande número de brancos e apenas um ou dois negros, como se houvesse também uma espécie de cota. É no mínimo triste um país com maioria negra ser constantemente representado apenas por brancos. Embora o ideal mesmo seria que nem sequer fosse preciso reparar o tom de pele de quem vemos. O mundo será justo quando ao invés de sermos, nos sentirmos todos iguais. Será utopia lutar por isso?


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