A deficiência visual do indivíduo na coletividade cega



De repente você abre os olhos e não enxerga nada à sua frente, tudo aquilo outrora tão definido tornou-se uma escuridão contínua. Talvez a cegueira tenha sido de nascença, ou acontecido devido a um acidente, talvez por uma doença progressiva ou repentina. Não importa, o fato é que não ver as cores e formas que definem o mundo é irreversível. Você não vê, mas está vivo e tudo a sua volta continua existindo. Sua família, seus amigos, sua casa, seu trabalho, enfim... Sua vida.

A única alternativa viável que considere a importância que você tem para os que o amam – inclusive você – é seguir em frente. Re-adaptar-se ao mundo a partir de sua nova condição é o maior desafio que se pode imaginar. Afora todo o processo psicológico pelo qual se terá de passar daqui em diante, nessa fase de mudanças drásticas por dentro e por fora, imagine sobreviver em um mundo feito somente para os que enxergam?

Conforme o Censo 2012 do IBGE, 506 mil pessoas no Brasil são cegas. Parece pouco se comparado aos mais de 170 milhões de brasileiros, mas ainda assim é muita gente vivendo diariamente com limitações. Não por sua própria condição, mas pela limitação de uma sociedade que só enxerga os que veem. Devido às barreiras impostas por um sistema composto por pessoas inábeis de se por no lugar do próximo. Já se imaginou sendo cego por um dia? Fácil fechar os olhos e andar pela sua casa, ambiente que conhece tão bem, né? Bom, mas talvez alguns móveis o façam instintivamente abrir os olhos.

Agora pense em como seria andar pelas ruas de uma cidade sem enxergar, daria para levar uma vida normal, dentro do possível? Sem grana para um cão-guia seria possível ou seguro atravessar no farol, que muda de cor apenas, mas sem emitir som? Não, deixa para lá! Que tal um cineminha com os amigos? Ops, o filme é legendado, se bem que mesmo se fosse dublado eu continuaria sem saber como são as cenas, pois elas não são descritas nas falas dos personagens. Será que eu saberia diferenciar o cartão de crédito de um banco e de outro apenas pelo tato?

Ganhei um cão-guia, meu eterno companheiro, porém ele será suficiente para que eu não tropece pelos obstáculos nas calçadas? Talvez eu passe uns dias lendo para espairecer e reorganizar as ideias, todavia será que encontro aquele best-seller em braille? Aliás, onde aprendo a ler em braille? E o cardápio daquele restaurante bacana terá de ser inteiramente ditado por um amigo ou pelo garçom? Essas são poucas das possíveis situações pelas quais um cego tem de passar no decorrer da vida. Exemplos que nem de longe captam toda a realidade, embora sirvam para que se reflita sobre as dificuldades que um deficiente visual supostamente vivencia frequentemente.

O que nós, sociedade, estamos fazendo para facilitar e amenizar as limitações da deficiência visual? Será que o jornal para o qual escrevo poderá ser lido por todos que se propuserem? E o seu comércio, seus colaboradores, estão aptos para servir uma pessoa cega? “Eu enxergo bem todos os dias e nunca pensei numa situação dessas”. Pois é. Vivemos em comunidade para que nos sintamos protegidos e fortalecidos, essa é razão para formamos sociedades, explicam os sociólogos, entretanto se somos incapazes de nos colocarmos no lugar do próximo, viver em grupo parece muito mais segregar do que unir. No fim das contas, somos todos limitados, mas ao menos os deficientes visuais têm essa justificativa, e a sua qual é?


Comentários

  1. Olá Dê, também estudo jornalismo e te conheci pelo Casa dos Focas. Adorei seus textos. Siga meu blog de volta e vamos compartilhar nossas experiências e aprendizagens! Abraços
    http://blogdasamiha.blogspot.com.br/

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