Bruno e o humor da TV Globo
Bruno chega em casa para almoçar, por volta de 13h40. Ele
raramente faz isso devido à correria das poucas horas de intervalo do trabalho,
que não calha com a dificuldade de se locomover em São Paulo. Mas hoje Bruno
decidiu que iria comer sua própria comida, sentado em seu sofá e assistindo a
mesma coisa que assistiu durante anos da sua infância – quando ainda não tinha
preocupações.
Ao entrar na
cozinha decidiu preparar uma omelete para o almoço. “Prático, rápido e saboroso”,
pensou. Nisso, também se recordou que costumava comer muitos ovos quando
pequeno, mas agora, após ter se tornado diretor de uma grande empresa, nunca
mais comera essa “iguaria”. Com a omelete pronta, tirou o guardanapo do ombro,
pegou os talheres e foi para a sala.
Perdeu
alguns segundos tentando encontrar o controle remoto, que estava no chão em
baixo da almofada. Ligou a TV e colocou no canal que assistia muito quando
criança. Demorou até se lembrar do número, mas enfim achou: Globo. Enquanto
levava garfadas de comida até a boca, ficou um pouco chocado quando notou que
estava assistindo ao Vídeo Show.
De início, isso o
deixou feliz. “Poxa, eu realmente voltei no tempo. Que bom!”, analisou. E
agradeceu mentalmente por poder rever aquela lembrança dele, menino, sentado em
frente a TV, assistindo a programação que lhe era tão familiar. Meia hora
depois, no entanto, começou a notar que algo devia estar errado. Era como se ele realmente
tivesse voltado no tempo.
O programa ainda
tinha o mesmo apresentador e se utiliza dos mesmos moldes de humor e
entretenimento de 15 anos atrás. “Será possível que eu tenha conseguido voltar
àquela época?”, pensou. Mas logo ficou mais tranquilo, pois percebeu que havia
uma banda sendo entrevistada que ele desconhecia. Uns garotos, todos coloridos.
Bom, não ficou TÃO tranquilo assim.
Assistindo
ao programa inteiro, Bruno ficou embasbacado com o tipo de tratamento que, como
telespectador, recebia. “Eles pensam que sou retardado?”, pensou isso logo após
uma apresentadora (essa era novata) fingir não perceber que estava sendo
gravada. Com um ar tão falso quanto o de uma criança fingindo que gostou de um
presente horrível, a mulher ainda perguntava: “Aí, já começou o programa. Peraí,
preciso escolher o toque da chamada do meu celular”.
Mas Bruno só
sentiu o sangue subir a cabeça mesmo quando a apresentadora disse: “Ah vou escolher
esse toque porque tem tudo a ver com a banda que vou entrevistar hoje” e depois
fingiu ligar para o pessoal que, “de repente”, já estava na frente dela. Bruno, boquiaberto, quase chorou de humilhação no momento em que se deu conta de que
eram os Sambabacas, cantando “Liga
pra mim...”.
Com ódio
correndo pela veia sanguínea, Bruno desligou a TV, arremessou o controle na
parede, respirou fundo e pensou: “Agora eu sei porque nunca venho almoçar em
casa. Qualquer tortura na prisão de Guantánamo perde para essa programação tão
forçada quanto o próprio nome”. Revoltado, levantou do sofá, escovou os dentes, pegou suas
coisas, trancou a porta e voltou ao trabalho.
Mas em nenhum instante do dia parou de analisar:
“Que droga de canal é esse que não se atualiza e continua fazendo o mesmo humor
caricato de décadas atrás? Qual o problema dessas pessoas?”. Durante o resto do
dia tentou debater com os colegas de trabalho sobre sua revolta, mas os caras
de 20 e poucos anos sequer faziam ideia do que era Vídeo Show: “É algum vídeo novo do Porta dos Fundos?”.
Bem verdadeira a mensagem deste texto. Quando almoço no restaurante perto do meu trabalho sempre estão assistindo esse programa, que eu acho que já deveria ter se aposentado há muito tempo. Isso é fruto da Indústria Cultural que pensa no público como um produto, uma massa. É sempre bom recordar dessas coisas. Parabéns, Andreza! ;)
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